04 outubro, 2025

O JOÃO DE BARRO PREGUIÇOSO - Uma fábula de j. verismar

O JOÃO DE BARRO PREGUIÇOSO
Uma fábula escrita por j. verismar
Sabe… aqueles voos tranquilos que os pássaros fazem habitualmente no fim da tarde, só para se sentirem livres e felizes — e que, involuntariamente, atiçam a inveja dos humanos inconformados por não poderem fazer o mesmo?
Vistos daqui de baixo, planando, parecem pincelados em uma imensa tela — talvez por Volpi — para enfeitar o azul do entardecer e homenagear os ventos que os sustentam e semeiam vida por toda a Terra.
Foi em um desses invejados voos de aquarela que Joãozinho de Barro, solitário, encontrou a jovem Joaninha, ainda aprendendo a voar. Ele ganhou uma companheira para os passeios; ela, o professor de voo dos sonhos.
Joãozinho de Barro, que já precisava construir sua casa, tinha agora mais de um motivo para realizar o sonho — tinha dois: a necessidade e a ajuda de Joaninha, de quem nunca mais se desgrudou.
Juntos, construíram uma bela casinha que, vista de fora, poderia ser confundida com apenas mais uma das tantas espalhadas pelas árvores. Mas, por dentro, capricharam: da entradinha estreita, pensada para afastar intrusos, ao corredor que levava ao quartinho aconchegante, com um ninho novinho em folha. Aqui e ali, por todo o lar, os toques delicados de Joaninha.
E assim, de asinhas dadas e muita fé no futuro, juraram permanecer juntos na terra e no ar. Agora, só faltavam os primeiros filhotes para completar a felicidade dos dois. Na primeira ninhada, nasceu apenas Juninho, mas ele encheu o ninho — e a vida do casal — com muita alegria.
Apressaram-se em lhe ensinar todas as lições que um joão-de-barro deve receber: dos primeiros voos às noções de sobrevivência na floresta e, claro, às técnicas ancestrais de erguer a própria casa.
Claro que os joões-de-barro nascem com habilidades próprias da espécie, mas há sempre o que aprender e aperfeiçoar.
Mas algo não estava dando certo: Juninho não demonstrava essas habilidades inatas nem interesse em avançar no aprendizado que os dois, tão amorosamente, tentavam lhe transmitir. Não se sabe a quem puxou, mas o fato é que, para decepção de ambos, Juninho revelara-se um pássaro preguiçoso.
A notícia se espalhou como um raio por toda a floresta:
— O filho do Joãozinho e Joaninha não gosta de trabalho; é um preguiçoso!
Choveram pressões de todos os lados para que ele se comportasse como um verdadeiro joão-de-barro e se preparasse para o futuro. Mas Juninho ignorava os apelos, preferia aconchegar-se sob as asas dos pais e apenas observar de longe a labuta dos joões-de-barro.
Estava satisfeito com a própria existência. Para quê arriscar-se por uma floresta tão hostil, afastando-se da confortável casinha e da proteção dos pais? E sujar-se de barro?! Um dia faria tudo isso; não agora, quando não lhe faltava absolutamente nada.
O destino, entretanto, lhe preparava uma surpresa que viraria sua vida de ponta-cabeça. Num dia infeliz, durante um de seus voos a dois, em pleno céu de aquarela, Joãozinho e Joaninha não voltaram para casa: foram covardemente abatidos por um caçador.
Agora órfão — mas ainda bem abrigado —, concluiu que, apesar da dor, bastava preocupar-se com o alimento, farto por ali.
Ele nem imaginava que o mesmo destino cruel, que lhe tirara os pais, preparava outra tragédia, que aumentaria, ainda mais, o seu sofrimento: a casa que herdara — seu porto seguro — foi destruída implacavelmente por um temporal noturno.
Agora, ao relento, sob frio e chuva, exposto aos predadores, poderia, naturalmente, resolver a situação construindo uma nova casa. A árvore permanecia firme — e havia barro, palha e gravetos à vontade. Mas… por onde começar?
Era preciso tentar. Lá se foi Juninho: buscou barro, misturou-o com palha e gravetos e tentou erguer paredes sobre os galhos — que não se sustentavam. Uma, duas, três… dezenas de tentativas — e nada. Todo o material acabava no chão.
— Por que é tão difícil?
Porque, quando os pais tentaram despertar suas habilidades e ensinar-lhe as técnicas ancestrais de construir casas e de sobreviver na floresta, ele fez ouvidos moucos. Agora restavam apenas o arrependimento, a saudade dos velhos… e a indiferença da natureza.
Na memória, apenas as imagens dos pais, insistindo para que prestasse atenção às lições que um dia lhe poderiam salvar a vida. Apenas imagens silenciosas. Não guardara uma única lição — que, agora, tentava inutilmente relembrar.
— Como fora tolo! — repetia para si mesmo, enquanto as lágrimas escorriam, amolecendo ainda mais o barro rebelde.
A Fada Madrinha, que de longe observava o sofrimento de Juninho, sofria em silêncio, mas esperava um sinal claro de arrependimento para se aproximar. Agora que ele deixara transparecer esse sentimento, ela poderia, enfim, entrar em ação para ajudá-lo.
Rapidamente, convocou todos os joões-de-barro da região para ajudarem na reconstrução da casa — mas fez uma exigência: além dos ensinamentos e segredos da construção, ninguém haveria de sujar uma patinha sequer no barro. O filho de Joãozinho e Joaninha deveria dar conta de todo o trabalho pesado.
E assim foi feito. No dia marcado, a árvore da antiga casinha estava repleta: a maioria dos joões-de-barro da região estava lá e, à frente deles, os mais experientes.
O mais velho de todos — o líder — aproximou-se de Juninho e disse, com voz rouca, porém firme:
— Mexa-se. Vamos ensinar-lhe tudo o que deveria ter aprendido com o saudoso Joãozinho, seu pai. Mas a construção será feita por você. Ninguém por aqui haverá de mover uma palha.
Mas foi uma voz doce e baixinha — quase um sussurro —, vinda de trás do grupo, que despertou, de vez, sua vontade de prosseguir.
— Você consegue, Juninho!
Era sua prima Juju, que acompanhava tudo junto da Fada Madrinha; fora companheira de muitos voos na infância de ambos, mas se afastara quando a preguiça tomou conta dele.
Para ele, era hora de agarrar a grande oportunidade. Agora, sob a orientação dos mais velhos, os primeiros dias foram desastrosos: mistura errada; barro que não se sustentava; chuvas que chegavam sem aviso, levando tudo embora; Juninho cansado e sujo; risos dos mais jovens, logo reprimidos pelo líder. Mas o olhar e a voz de Juju o encorajavam a prosseguir.
— Não desista, Juninho!
A mesma Juju que se emocionou quando viu a base da casa sustentar-se sobre a árvore. Até que, enfim, ele acertou o passo e seu futuro lar começou a ficar de pé. Cada parede, cada cômodo, foi sendo erguido com esmero por Juninho, sob a supervisão rigorosa do líder.
E, contrariando todas as expectativas, o resultado surpreendeu a todos — a vizinhança ganhou uma bela casa, erguida (imaginem só!) por um ex-preguiçoso.
Obra concluída! Todos, muito emocionados, aplaudiram e abraçaram Juninho.
Novamente, a voz rouca do líder o alertou:
— Seja feliz com a casa nova, Juninho. E não se esqueça, nunca: na natureza, preguiçosos e despreparados têm vida curta.
Agora, abrigado, pronto para encarar a vida e resistir às intempéries, Juninho sentia-se, enfim, seguro, protegido e reconciliado com os da própria espécie.
E definitivamente era, agora, um pássaro feliz. Não apenas pela casa e pela reconciliação com os joões-de-barro — claro que tudo isso contava —, mas porque o reencontro com Juju o fazia sentir-se o joão-de-barro mais feliz da floresta. Dela ganhou o abraço mais demorado no encerramento da construção — gesto que fez os joões-de-barro esquecerem, por um instante, a nova casinha para celebrar, cheios de entusiasmo, o mais novo casalzinho que ali se formava.
Assim, como ocorrera com seu pai, o saudoso Joãozinho de Barro, ele ganhou uma companheira para a vida — e ela, Juju, reencontrara o joão-de-barro com quem sonhara desde filhote.
FIM

🌟 Post Scriptum (1)

Isso que o joão-de-barro aprendeu, de forma extremamente dolorosa, todos nós vamos compreender em algum momento da nossa existência: na vida, nada se autoconstrói. Aliados à necessidade, o esforço, o aprendizado e a dedicação são o que, de fato, constroem.
Vale tanto para uma casinha de barro quanto para uma vacina que salvará milhões de vidas.

🌟 Post Scriptum (2)

Voltando ao início da fábula: e se, de repente, fosse possível aos humanos realizar o sonho de voar? Como eles, agora com o mesmo superpoder, haveriam de se relacionar com os pássaros? Em qual opção você colocaria as suas fichas?
a) Seriam mais pássaros e dividiriam o céu com eles;
b) Seriam mais humanos e fariam a divisão apenas entre si;
c) Seriam ainda mais humanos — dividiriam o céu entre si e escravizariam os pássaros?
📚 Leia também

🛡️ O JOÃO DE BARRO PREGUIÇOSO — Registro e proteção da obra

Arquivo: o-joao-de-barro-preguicoso.pdf — Chave/ID: O4LBGA

Hash SHA-256 - b8225b917be24a62791f24fd0653d0b0
6292178483b0e5d3e77d854cf81a743d

PDF assinado (ICP-Brasil A1) — www.assinaturacerta.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são bem-vindos. Mantemos moderação para evitar spam. Obrigado por ler e ouvir!